SUPERMARKET, nas palavras do poeta Pessoa: “primeiro estranha-se, depois entranha-se” (idílico de facto). Sem grandes rodeios, creio que estamos perante uma nova abordagem no mundo dos comics. Passo a explicar o meu ponto de vista, que apesar de ser simples e claro na mente, tende a prolongar-se mais do que devia no papel, neste caso no ecrã. Digo nova abordagem, não por ser uma inovação/criação de nível transcendental e superiormente rico em relação ao argumento, se bem que o considero bom, mas por se revelar “muito à frente” no que diz respeito à utilização da cor, técnica que ultimamente se tem desenvolvido monstruosamente (no bom sentido), e que tantas vezes se torna também num problema, empobrecendo ao invés de enriquecer tantos e bons títulos. Existe ainda o papel escolhido, mas já lá vamos. A cor, aplicação que confere magia a cada página (atenção que sou um grande admirador de BD a p/b), transformando ambientes vazios e escuros, em verdadeiros mananciais de movimento, tendo a capacidade de criar sons (em caso de dúvida ler sobre Kandinsky) e de estimular todos os demais sentidos. Foi isso que senti ao travar contacto com as primeiras páginas de Supermarket. Um enorme estímulo visual, ao mesmo tempo que os outros sentidos faziam um apelo ao cérebro para que continuasse com esse momento de prazer. Nada como ver para crer (ao vosso dispor deixo várias páginas, virgens de texto, para regalar a vista – no final da análise). Pormenor interessante em relação às nuvens e fumo criados, que me fizeram lembrar bastante o artista da Aspen, Micah Gunnell, isto, no que diz respeito ao traço. Os tons fazem lembrar a suavidade subtil quando utilizada a técnica com pastel: amarelos suaves, laranjas, ocres, verdes e azuis quase marinhos, enfim, cores esbatidas na maior parte dos casos, mas com tons fortes sempre que é necessário criar contrastes. Muito interessante.
Em relação ao papel, a (boa) tendência mantém-se. Parece-me que a IDW continuou o seu excelente trabalho na publicação desta mini-série, apostando num papel diferente e de muito boa qualidade. Diferente, pois é reciclado, coisa que hoje em dia, a meu ver, já devia estar mais difundida no mundo dos comics. O papel maioritariamente utilizado é de pouca gramagem e lustroso, evidenciando as cores e o traço através do seu brilho. Em Supermarket a aposta foi feita de outra forma, abdicando do brilho e dos seus efeitos, concentrando esforços no suporte físico, num papel com uma boa gramagem, bem mais alta do que o costume. Como anteriormente referi, as cores são muito na onda do pastel, o que combina na perfeição com o papel reciclado, dando a sensação de maior realidade ao traço e agarrando melhor as cores, ajudando a fidelizar o trabalho do artista Kristian.
A história deste título, criada por Brian Wood, traz-nos à memória sequências de filmes sobre gangs japoneses, os míticos Yakuza, e sobre o suposto legado/ herança que uma determinada pessoa irá possuir no futuro dentro desse meio infernal. É mais ou menos neste mundo misto de armas, crime e pornografia que Pella Suzuki (personagem principal) se insere. Correndo-lhe nas veias sangue sueco e mafioso, é na cidade que Pella encontra o seu escape. O título não foi escolhido ao acaso, levando em séria linha de conta o facto de vivermos numa sociedade consumista, aproveitando os centros comerciais como locais de culto e romaria aos fins-de-semana. Como adolescente que é, a vida da protagonista é explorada com pormenor, mostrando-nos os mais variados locais frequentados pelos adolescentes nas cidades de Nova Iorque, São Francisco e Tóquio. Uma das mais-valias de Supermarket é sem sombra de dúvidas a maneira como a cidade é explorada. É quase como uma visita guiada que nos é feita. Tendo em conta que estamos novamente numa época de revivalismos, onde a cultura urbana e o formato pop se entrelaçam como nunca, ler esta mini-série de 4 números (era bom que fossem mais) torna-se quase obrigatório para quem vive estas tendências. Em Supermarket conseguimos sentir a vibração da cidade nas páginas, sentir a sua temperatura, cheiros, e aproveitar a multiplicação de cores para acreditar num mundo, quem sabe algures num espaço e tempo perto de nós, que tivesse cores assim… Fica feito o convite para “saltarem” para dentro destas páginas, que pelos vistos em Portugal não está a ter grande procura, mas que nos States está em 5º no top 10 comics list.
A saber, o TPB desta mini sairá no dia 25 de Agosto deste ano. Os vários números podem ser adquiridos aqui, ou na vossa loja de BD habitual. Para um acompanhamento assíduo do trabalho de B. Wood, visitem o seu livejournal. Boas leituras!
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Mauro Bex : maurobindo
Revisão: Carla Ferraz